A GAROTA DA CASA DE VIDRO - PARTE 2
(Advertência: se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia seis de maio e prossiga até aqui)
O INÍCIO DA JORNADA
Sentiu seu celular vibrar.
Olhou a mensagem de sua mãe que dizia:
“Não se esqueça de pagar o boleto. Se não pagar hoje vai ter multa!”
Logo a mensagem a fez voltar à realidade.
Estava no hall de entrada do shopping. A modelo ficava em um enorme espaço feito de vidro e aço. Do lado de fora, logo acima da entrada:
CASA DE VIDRO:
SUA VIDA EM UM LUGAR SÓ
A visão que tinha presenciado tinha lhe levado para um outro lugar, um limbo de sonho, uma realidade além do seu real... uma outra vida. Era diferente e ao mesmo tempo familiar, porque aquela era a vida que acreditava sempre ter merecido!
Estava ali porque existia uma agência lotérica no
segundo piso, onde podia pagar suas contas sem que a fila demorasse muito. Não
havia outro dinheiro na bolsa além do que foi separado para fazer seus
pagamentos. Uma soma que iria consumir quase a metade de seu ordenado. Com as
despesas do supermercado, não haveria muita coisa para comprar para si.
Caminhava pelo shopping apressada, repassando o que viria fazer ao longo do dia, calculando mentalmente o quanto lhe sobraria naquele mês e o que deseja comprar quando finalmente chegou a lotérica. Na fila relembrava a visão da garota da casa de vidro em sua memória enquanto esperava na fila.
Durante aquele pouco tempo, sentiu que não era mais apenas a espectadora, mas a própria personagem. Concluiu que aquela modelo era uma pessoa privilegiada por levar outras pessoas àquele estado de espírito, e, por alguns momentos, dar-lhes a vida que sempre quiseram.
A fila andava rapidamente e, sem que percebesse, já era quase a sua vez. Olhava para os rostos ao seu redor: eram inexpressivos, quase homogêneos, como se não tivessem uma fisionomia própria que lhes permitissem distinguir um do outro. Eram pessoas que passariam por suas vidas como se não a tivessem vivido. Ninguém lembraria delas, nem teriam feito nada que valesse a pena ter lembrado. Ao contrário da menina da casa de vidro. Todos lembrariam dela pelo que ela deu a eles.
Um momento fora de suas existências inúteis!
Um sabor do que a vida poderia ter sido...
Quando pagou a menina do guichê, foi tomada de uma certeza quase que absoluta de que aquilo que aquela modelo
fazia era uma coisa divertida e, ao mesmo tempo, importante. Ela divertia-se
fazendo aquelas coisas que todos gostariam de fazer, enquanto ganhava dinheiro
com isso. Ao mesmo tempo, levava às pessoas para um lugar onde tudo era
possível, construindo momentos de sonhos para elas.
Sim!
Era divertido!
Era lucrativo!
E importante!
Descia agora a escada rolante, atendendo à ligação de sua
mãe, tranquilizando-a de que as contas já estavam pagas!
Já estava na entrada, passando outra vez em frente à casa de vidro, quando uma funcionária do shopping lhe entregou um panfleto dizendo:
“Seja você também uma garota da Casa de Vidro. Seleção para novas
modelos neste final de semana. As inscritas concorrerão à uma seleção, onde
ficarão uma semana na casa de vidro, criando suas próprias coreografias. Seja
você a próxima moradora da Casa de Vidro, ganhando...”
A BUSCA
O prêmio era uma boa quantia em dinheiro, mas não era isso que
realmente a interessava. O que realmente lhe fez brigar com sua mãe, largar o
emprego, voltar ao Shopping no dia seguinte para fazer sua inscrição e se
comprometer a estar num cubículo de paredes de vidro, era o fato de ter uma chance de ser como aquela garota. De desfrutar daqueles momentos, mesmo
que fossem de faz de conta... “inspirar” outras pessoas...
No final de semana ela se apresentou para a seleção.
A administração do concurso reservara um corredor no
shopping onde tinha uma pequena galeria com dez cubículos de um lado e dez do
outro. Ali, vinte garotas ficariam ali por quase doze horas, improvisando
anúncios e coreografias com os produtos que o shopping trazia. Àquela que
conseguisse maior número de pessoas por mais tempo em sua vitrine seria a
selecionada.
De início, Laura tentava ser educada, sorrindo e procurando
estar sempre bem vestida e bem comportada. Fazia coreografias tímidas, um pouco
atrapalhadas, enquanto tentava lembrar-se do que a garota havia feito.
Casualmente notou que as outras meninas ao seu lado e à sua frente também se
comportavam da mesma maneira. Logo percebeu que nem ela, nem as outras
estavam atraindo muita atenção, ao contrário de duas ou três meninas que estavam
nos fundos da galeria. Havia pouco tempo para comer e para trocar de roupa.
Ficavam ali, das dez da manhã às dez da noite, quando o shopping fechava. Foram
dois dias sem atrair muitos olhares.
Aquele resultado a deixou desanimada, mas não desistiu.
Mudou para coreografias mais ousadas, escolheu roupas com cores mais
chamativas...
Mas o resultado foi o mesmo!
Não deixou de reparar que as outras meninas também faziam
a mesma coisa. Logo, chegou à conclusão de que sua maneira de pensar não era
diferente das outras e que as pessoas ali logo se cansavam de vê-las fazerem
tudo igual.
– É por isso que não aparece tanta gente! – concluiu ela.
Decidiu apelar.
Começou a usar roupas mais provocantes, coreografias mais ousadas. Por uns dias pareceu ter dado certo, mas logo seus expectadores começaram a diminuir. As outras garotas, olhando o que ela estava fazendo, começaram a fazer a mesma coisa.
Laura sentiu dentro de si uma onda de frustração e
impotência. Parecia que o quer que pensasse em fazer, ou era a cópia do que
outra pessoa estava fazendo, ou era rapidamente copiada pelas outras meninas.
Por mais que tentasse ser original, tudo terminava se tornando a mesma coisa.
“Como eu posso me destacar desse jeito?”
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