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ESTRANHAS - CONCLUSÃO: ESTRANHA FAMILIARIDADE

 

ADVERTÊNCIA:

O texto abaixo é a continuação da história iniciada na postagem de 04/08. Caso você esteja entrando aqui pela primeira vez, CLIQUE AQUI e leia o início da história!     


ESTRANHA FAMILIARIDADE





Escuridão.

Não sabia quanto tempo estivera nas trevas, mas sabia que, por alguns instantes, sua consciência era chamada de volta ao mundo objetivo. Às vezes esse chamado eram apenas vozes, ecoando em sua cabeça, enquanto a mente recusava-se a sair do confortável lugar que havia encontrado naquele escuro vazio, mas também o chamado lhe aparecia em imagens que vinham enevoadas, como lembranças esparsas de um sonho.

O despertar, no entanto, veio e era como acordar na manhã do dia seguinte à um porre. Sentia a cabeça pesada, um embrulho no estômago e a boca seca. A garganta e o esôfago também ardiam, como se tivesse passado a noite anterior vomitando sem parar.

O lugar não era o seu quarto, mas um leito de hospital. Olha para o lado. Sua mãe dorme sentada numa cadeira de plástico, segurando o celular.

- Mãe!

Dá um sobressalto, acordando repentinamente...

- Ah! Filha! Filha! – diz a mãe atirando-se nos braços de Alice – Que bom que você acordou! Meu Deus! Que susto!

- Que houve? Por que é que eu tô aqui?

- Você não se lembra?

- Do quê?

- Eu cheguei em casa, ouvi um barulho de vidro se quebrando vindo do meu quarto, aí você tava desmaiada no chão, estirada, e, do lado, tava segurando um vidro dos meus antidepressivos. Por que você inventou de tomar eles?

- Antidepressivos?

- Sim!

- Não era aspirina?

- Claro que não! Vai dizer que tu não sabia?

- Não! Eu tava com dor de cabeça e fui no seu quarto pegar uma aspirina, só que os dois vidros são tão parecidos que...

- Com licença – disse uma mulher de meia-idade assomando-se na porta do quarto.

- Quem é?

- Essa é a dona Rute, a psicóloga.

- Sim – disse Rute entrando no quarto – eu precisava ter uma conversa com você. Dona Eulália, será que a senhora pode nos dar um minuto?

- Claro – disse a mãe de Alice, se levantando e saindo.

Eulália caminha até a saída do quarto, não sem antes ver de soslaio a psicóloga se sentando na cadeira onde até pouco tempo estivera e ouvindo ela começar a dizer:

- Preciso que você seja absolutamente sincera comigo Alice...

Rute saiu depois de quase uma hora. Eulália voltou para ver como a filha estava:

- E aí? – disse ela tentando desastradamente entrar no assunto

- Nossa! Parecia um interrogatório! Ela achou que eu tava tentando me matar. Fiquei quase uma hora contando a mesma história... Ela perguntou da senhora, quis saber se eu era bem cuidada, se já tinha sofrido agressão, se... enfim... nossa, até parece que foi o fim do mundo.

- Querida – disse Eulália com a voz grave – você quase morreu. Foi por muito pouco. E do jeito que eu te encontrei, parecia mesmo que... bem... que tinha sido...

- Deus me livre mãe! Eu tinha saído mais cedo, aí bati com a cabeça quando fui empurrada na rua. Botei uma compressa de gelo quando cheguei em casa, mas aí deu uma enxaqueca, fui pro seu quarto pegar uma aspirina e confundi o vidro dos remédios...

- Mas precisava tomar tantos...

- Eu... eu não lembrava de ter tomando tantos assim... a dor de cabeça não passava e eu pensei ter tomado só alguns... estranhei que não tavam fazendo efeito...

A mãe olhava-a preocupada, sem saber em que acreditar...

- Quando viram essa marca na sua testa eu acho que pensaram que você tinha sofrido algum tipo de agressão, de pancada, sei lá... Deviam tá pensando que eu sou uma mãe disfuncional ou coisa assim... bom... acho que eles não tão muito longe da verdade, né?

Ela tentou rir para disfarçar o desconforto, mas o silêncio pairou entre as duas, como se fosse algo sólido e maciço, incapaz de ser removido dali.

- Mas filha – diz Eulália tentando mudar de assunto – independente do remédio... isso não é coisa pra você sair tomando desse jeito, como se fosse partilha de hortelã...

Enquanto ela falava, Alice sentia que havia algo de estranho em sua mente. Era como se uma porta que tivesse bloqueado e agora tivesse se aberto. Vinham-lhe recordações distantes, antigas, como da noite em que estava deitada no quarto, com febre e a mãe ficou deitada ao seu lado, exatamente como estava agora. Logo depois, aparece a imagem de sua mãe limpando as lágrimas do seu rosto, tirando a terra do joelho e das pernas, após ter caído da bicicleta. O olhar furioso da mãe discutindo com a professa em outro momento, defendendo-a. Várias e várias imagens de momentos com sua mãe, situações de que não se lembrava mais, sentimentos que estavam enterrados em uma parte esquecida de si mesma...

- Querida – disse sua mãe segurando a sua mão – você não quer falar alguma coisa pra mim? Filha, eu me preocupo desde aquela vez que você e aquela menina... o que fizeram com vocês... eu não consigo esquecer... Querida, você não tentou mesmo... olha eu vou entender, juro que eu não vou brigar não... só que... se você tiver precisando de ajuda eu tô aqui... eu não quero que você se machuque!

Naquele momento Alice sentiu pela primeira vez a presença de uma pessoa real em sua vida. Algo dentro dela dizia que não precisaria temer que ela fosse embora, que, na verdade, ela sempre tinha estado ali.

Abraça a mãe enterrando o rosto entre os seus seios e chora. Eulália achou ter encontrado naquelas lágrimas algum tipo de confissão, mas estava errada. Não era culpa...

Era alívio.

- Mãe!

- Diz filha!

- Promete que a senhora não vai me deixar mais sozinha?

Eulália a envolve em seus braços, beija sua cabeça e diz-lhe:

- Que é isso filha! – disse ela, fingindo não saber do que a filha estava falando – Eu vou tá aqui sempre, sempre...

Deixaram-se ficar assim, chorando abraçadas, como duas pessoas que se reencontram pela primeira vez depois de uma ausência de muitos e muitos anos.

 

FIM


MAS ANTES...
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