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ENSAIO LITERÁRIO - A HISTÓRIA E A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS: ENTENDENDO A DINÂMICA DA REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS REAIS EM HISTÓRIAS DE FICÇÃO (PARTE 5)

(Advertência: se você está lendo pela primeira vez, volte para a postagem do dia doze de maio e prossiga até aqui)

 

A perca do sentindo simbólico na formação da subjetividade humana: alguns elementos para reflexão


E
aqui chegamos ao problema em questão!

Na verdade, trata-se de um problema sociocultural bem conhecido, mas que, no entanto, perdemos de vista quando discutimos sobre a forma como consumimos obras de arte hoje.

Mas qual, entre tantas patologias socioculturais estou aqui me referindo?

Como estamos falando de literatura e das formas narrativas em geral, refiro-me aqui à redução ou mesmo a perda gradativa do caráter simbólico da vida, seja na construção de nossas formas de representação narrativa, seja na forma como as interpretamos ao consumí-las. O que se observa nas construções narrativas da atualidade é uma presença maior do elemento de literalidade, de um apelo cada vez crescente as representações mais próximas do objeto e a perca do sentido de universalidade no conteúdo das representações narrativas, mesmo na poesia.

Este elemento de literalidade sempre esteve presente nas obras mais modernas e   relaciona-se ao fato de que este caráter simbólico vem se tornando uma componente cada vez mais reduzida na formação de nossa subjetividade coletiva.

Como assim?

Deixe-me tentar ser um pouco mais claro...

Esta ordem de linguagem simbólica utilizada na construção narrativa não se figura no campo da representação técnico- científica, que se utiliza de conceitos, categorias e definições trabalhados no nível da racionalidade. O campo simbólico em que se situa a representação narrativa é trabalhado no nível da subjetividade e da intuição, do qual participam também não só as representações religiosas, como todas as ordens de representação artísticas.

Para explicar um pouco melhor as origens deste fenômeno, vamos aqui fazer um parêntese para entender um pouco melhor a formação de nossa identidade individual e sua relação com a identidade coletiva de nossa sociabilidade, ou, como costumo chamar, nosso “ethos coletivo”.

A relação entre o ethos social e o ethos individual


O radical grego ethos (a partir do qual deriva a palavra “ética”)  tem vários significados, mas todos eles envolvem um conjunto de atitudes, hábitos, comportamentos, costumes e valores formados e transmitidos socialmente. É a partir deste ethos coletivo que, ao longo de nossas vidas, formamos nossa identidade individual. Evidentemente que esta assimilação dos comportamentos, valores costumes sociais aparece mediada por nossas vivências e escolhas pessoais. Cada individualidade é única, podendo mesmo opor-se e recusar a ordem de valores e comportamentos dominantes, contudo, é inevitável que a formação de nossa identidade pessoal, ou seja, de nossa individualidade, tem como ponto de partida esse ethos coletivo já existente.

Mas esta relação entre o ethos coletivo e a formação de nossa individualidade, não define apenas a forma como nós nos identificamos como pessoa, mas também a forma como a própria sociabilidade nos reconhece. Quando determinada pessoa não se incorpora a esses valores e comportamentos socialmente predominantes, ela não só não se reconhece subjetivamente nesta ordem social, como também, torna-se invisibilizada pelo próprio organismo social, ainda que a mesma trabalhe, pague seus impostos e contribua regularmente com suas obrigações civis.

Um dos aspectos que diferenciam a formação de nosso ethos social na atualidade de outras formas de sociabilidade que existiram no passado é o fato de que, nas sociedades anteriores à nossa, a construção da individualidade dá-se através da integração entre o ethos coletivo e suas individualidades participantes. Cada um enxergava a si mesmo como parte de sua própria organização social, seja através de laços familiares ou de relações de pertencimento com o lugar onde nascera.

Na sociedade burguesa, no entanto, estes laços (territoriais e familiares) não existem mais!

Curiosamente, a formação de nossa identidade individual que constitui-se a partir da diferenciação, autonomização e atomização de nossa individualidade, se num organismo social, onde o trabalho coletivo mais se amplia e se complexifica, ultrapassando as fronteiras locais e nacionais, afirmando-se como uma única divisão do trabalho à escala mundial. Esta forma alienada com que se dá a relação entre o ethos coletivo de nossa sociedade e nossa individualidade, torna-se problemática, porque, para que haja tanto o autorreconhecimento individual, quanto o reconhecimento social, é necessário cumprir-se uma série de critérios objetivos (econômicos, sociais, culturais e mesmo estético-corporais).

Tais critérios exigem economicamente um elevado padrão de consumo que pode ser obtido a partir de um alto nível de acumulação de propriedades. Como não fosse pior, a dinâmica que caracteriza a apropriação desses bens se através da concorrência, ou seja, a afirmação da individualidade se faz mediada pela inferiorização da individualidade de outros.

Esta nova dinâmica que envolve a perca dos nossos laços coletivos, a forma estranhada com que nos relacionamos socialmente (mediada agora por mídias digitais, sites de relacionamento e redes sociais), a dinâmica da concorrência, todos são elementos que constituem uma subjetividade onde a representação subjetiva do mundo encontra, na técnica, a sua forma de representação mais adequada.

Mas quais as consequências dessa nova dinâmica social na produção cultural, em especial, a produção das artes narrativas (literatura, teatro, audivisual, etc.)?


A primeira é o fato de que, a obra de arte, para se reproduzir socialmente, converte em mercadoria. A produção artística, passa a reproduzir em sua dinâmica, a lógica da reprodução de mercadorias. Essa 

Este fato, no entanto, não muda o caráter da arte narrativa em suas diferentes variações, mesmo em narrativas que se valem dos recursos audiovisuais. Em todas estas, assim como toda obra de arte, existe a busca em alcançar a subjetividade humana através de uma linguagem onde os símbolos não coincidem imediatamente com o objeto do qual fazem referência.

Essa reestruturação na forma como se constitui a formação de nossa subjetividade entra, portanto, em contradição com a essência da obra de arte narrativa, especialmente quando estamos lidando com representações artísticas que tratam de fatos e de personalidades históricas, sejam elas remotas, ou da atualidade.

CONCLUI NA PRÓXIMA POSTAGEM!

PARA LER A CONCLUSÃO... VOCÊ JÁ SABE:  CLIQUE AQUI

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