ENSAIO LITERÁRIO - A HISTÓRIA E A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS: ENTENDENDO A DINÂMICA DA REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS REAIS EM HISTÓRIAS DE FICÇÃO (PARTE 1)
Nesta semana estreia no Brasil o filme Back to Black, cinebiografia da cantora Amy Winehouse. Estrelado por Marisa Abela (Barbie), o filme é mais um na esteira de cinebiografias como Bob Marley: One Love (que tinha estreado em fevereiro deste ano) e Priscilla (de outubro do ano passado) que vem tomando conta do mercado cinematográfico. Na verdade, o retorno ao passado vem sendo uma constante nas produções que vêm procurando aproveitar o hiato das produções de filmes de super-heróis.
Juntamente
com as cinebiografias, produtos de audiovisual como a minissérie ficcional baseada na vida e
na carreira de Ayrton Senna, pela Netflix e a sequência de Gladiador (prevista
para novembro deste ano) consolidam uma tendência hollywoodiana nestes
últimos anos em investir em representações históricas sejam elas baseadas em
figuras contemporâneas, sejam figuras históricas ou mesmo personagens de ficção
inspiradas em figuras reais.
O
mais interessante nessas produções – independente da qualidade destas – é a
própria discussão que elas geram e as polêmicas relacionadas ao quanto uma
produção de ficção deveria ou não ser fiel aos fatos em que se basearam ou no qual foram inspirados.
Ao longo do ano passado tivemos várias discussões dessa natureza, seja na imprensa, sejam nas redes sociais, onde se pôde observar
a percepção do público sobre a representação de figuras reais em ficção.
Como
essas polêmicas se relacionam ao problema que tentaremos discutir aqui, vamos
apresentar um resumo de algumas das polêmicas mais cadentes que animaram nossas
discussões cotidianas no último ano sobre essa questão.
Rainhas, reis e...
futebol americano!
Em fevereiro
do ano passado, a Netflix
estreou uma série de documentários baseada
na figura de rainhas africanas. A partir de abril, estreava
a segunda rainha a ser retratada pela série:
Cleópatra!
Durante séculos,
a figura da Rainha do Nilo despertou a curiosidade e o encanto do grande público,
o que lhe rendeu um sem número de retratações em todas as formas de
dramaturgia possível, desde o teatro,
séries de T.V e mesmo grandes produções cinematográficas ao longo dos anos.
No
entanto, o tema da etnia de Cleópatra também despertou o ativismo militante de pessoas que reivindicam uma retratação mais fiel ao que acreditam que teria sido
a verdadeira imagem desta rainha. Estes argumentariam que a origem étnica da rainha egípcia nunca
teria sido fielmente retratada por essas produções, pelo fato dela ter sido uma mulher negra e a dramaturgia hollywoodiana
sempre a tinha retratado como uma mulher branca.
Argumentando
que buscava fazer justiça à verdade histórica,
a produção da série documental da
Netflix escalou uma atriz negra
para interpretar a rainha Cleópatra. No entanto, esta
retratação causou incômodos entre intelectuais e autoridades
egípcias que vieram à público
argumentar que, na verdade, havia sido a própria Netflix quem estava deturpando a verdadeira imagem
da rainha mais famosa do Egito, uma vez que
esta era descendente direta do faraó Ptolomeu, cuja ascendência era grega.
O fato é que a polêmica
se estendeu por semanas e quem
mais ganhou com ela
foi a própria Netflix.
No
campo da historiografia, embora a discussão sobre a etnia da Rainha do Nilo seja bem antiga, sua importância tem um caráter secundário, embora não pequena. Cleópatra é uma das raras figuras
femininas que possui importância
histórica pelo seu papel político como chefe de Estado.
Num mundo dominado pelos romanos, a Rainha do
Nilo teve a habilidade não só para subir ao trono,
como em manter a autonomia política de seu país. Essa realização exigiria muito mais inteligência e senso de liderança do que as famosas habilidades
de sedução, como que os roteiristas hollywoodianos costumam retratá-la.
Mas
a questão é que a polêmica envolvendo a representação da Rainha do Egito
não se limita a discussões historiográficas. Nas redes sociais, por exemplo, a polêmica da etnia de Cleópatra não girou sobre sua figura real, mas com relação ao grupo étnico das atrizes que teriam o direito de representá-la em obras de ficção. Tal discussão apareceu não só durante
a polêmica criada pelas autoridades egípcias, mas principalmente, com o anúncio
de que a atriz israelense Gal Gadot iria estrelar
a nova produção cinematográfica baseada
na mencionada figura histórica.
Ainda em agosto do ano
passado, o jogador de futebol
americano Michael Oher veio à público expor
sua versão sobre a história do seu relacionamento com o casal Leigh Anne Tuohy e Sean Tuohy. Ao
que todos sabiam, os dois teriam adotado Michael quando este ainda era
um estudante do Ensino Médio, acolhendo-o em sua casa e impulsionando sua carreira como
atleta. A história deu origem ao filme Um Sonho
Possível (título original: The Blind Side) de 2009.
Em agosto de 2023 Michael entra com uma ação
contra os Tuohy,
alegando que a idílica história narrada no filme não teria nada de real
e que, na verdade, eles teriam
ganhado dinheiro às custas do seu talento durante todos
os anos em que esteve sob a tutela dos Tuohy.
Na época, por mais que a revelação fosse assustadora, o que realmente chamou a atenção da opinião pública e que se tornou em objeto de fofoca nas redes sociais não foi um possível caso de exploração infantil que tem uma forte conotação racista, mas uma petição “exigindo” que a atriz Sandra Bullock devolvesse à Academia o oscar de melhor atriz que ganhou ao interpretar a sra. Tuohy em Um Sonho Possível. O motivo pelo qual Bullock (que na época estava enfrentando o luto pela perca do marido) deveria devolver o oscar era porque a história que ela interpretou era...
Falsa!
Isso mesmo, uma atriz que interpreta histórias de ficção é assediada para devolver seu Oscar por interpretar uma personagem de... ficção!
E o que dizer do tão caluniado Napoleão, longa dirigido por Ridley Scott, que foi desmentido por todos no tribunal nas redes sociais. Nunca se viu tanto professor de História no cinema e no X (antigo Twitter), tentando apontar para o diretor de Alien, o 8º Passageiro e Blade Runner, os erros históricos que apareciam no filme. Para muitos, o filme Napoleão era ruim, não porque oferecia uma história fraca, mas porque não havia sido “fiel” à verdade histórica!
A
questão que perpassa todas essas polêmicas pode ser formulada nos seguintes
termos:
Teria
uma obra de ficção – seja em literatura, seja em uma produção audiovisual – a obrigação
de obedecer as mesmas regras e determinações da historiografia na retratação de
figuras históricas?
E em que tudo isso se relaciona com literatura?
Venha com a gente e descubra nesta semana!
CONTINUA...
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